Precisamos reaprender a ficar em silêncio
fonte: unsplash
Num dia desses, começando um workshop, iniciei uma simples prática de respiração. Já até tinha trocado o nome do que antes seria uma “meditação”, também simples, para prática de respiração. Por que a troca do nome? Pedido do cliente para não “assustar” os participantes. Achei muito interessante e fiz a alteração com tranquilidade.
Mas, por que o tema “meditar” assustaria né? Logo tratamos de apresentar dados que cientificamente comprovassem a eficácia, segundo Harvard, Columbia e afins. Benefícios como redução de stress, equilíbrio dos batimentos cardíacos, melhoria do humor e da memória, enfim.
Pois bem, logo ao começarmos a “respirar” (coisa que fazemos todos os dias senão morremos), um dos participantes disse não conseguir fazer a tal respiração que consistia numa simples contagem do inspirar e em seguida do expirar. Muitas vezes convidamos as pessoas apenas a respirar 3 vezes de forma mais calma. Mas hoje em dia, até estas 3 vezes estão causando dificuldades. Perguntei o que o amigo estava sentindo: “eu não consigo respirar devagar, sou muito ansioso, minha cabeça não para, logo ficar assim pra mim é uma tortura.” Eu acolhi o depoimento dele e a ele e simplesmente aconselhei que fizesse como se sentisse mais confortável.
Mas o que este fato nos revela? Algumas pistas:
A ansiedade, o que considero uma das doenças da humanidade, pode estar ligada a uma crise de estado de presença, de estar consigo, de se reconhecer, se ver e se reencontrar com sua essência.
O distanciamento coletivo, no qual estamos inseridos, pode nos explicar questões como consumismo, comparação, desmatamento, excesso de trabalho, entre tantos outros pontos que podem ampliar e muito essa conversa.
Em seu livro SAPIENS, Yuval compartilha que nosso padrão de respiração atual, se compara aos tempos em que corríamos de tigres dente de sabre para não sermos devorados. Ou seja, o estado de alerta vigente. Qual problema disso? Menos oxigenação para o cérebro, um coração mais acelerado, ansiedade, menos clareza, foco e consequente incapacidade de ver o que chamamos de “big picture” (visão do todo) ou incapacidade de operar fora da urgência. Alguma identificação por ai?
O próprio Yuval fala sobre o assunto: “Eu pratico meditação para ver a realidade mais claramente. Para ser capaz de ver o que é realidade , o que está realmente acontecendo aqui, agora.” Essa capacidade de ver a realidade, pode ser ampliada, simplesmente por estado de presença que o silêncio e encontro consigo nos revela. Ouvir a voz interna, da intuição, aquela que aponta qual caminho deve ser percorrido com o bônus do “por quê”.
Eu me senti convidado, aliás convocado a escrever sobre isto, desde o ano passado, quando passei (ao total) quase um mês num mosteiro no interior de São Paulo. Em cinco momentos (módulos) realizando uma formação como consultor e líder facilitador ancorado na Antroposofia. Um das minhas muitas reflexões: apesar de termos dias cheios com agenda desde as 6h30 até as 21h, muitas vezes, eram nos momentos de quietude, reflexão, contemplação e silêncio que os insights, visões ou “a-has” se mostravam. Percebem o fluxo do in/out, dentro/fora, estímulo/repouso?
E se pesquisarmos a respeito podemos encontrar diversos casos de pessoas que encontram nesse silêncio, muitas de suas respostas. Não gosto muito de ficar usando os bilionários como exemplo, mas, utilizemos o conceito das “think weeks” de Bill Gates. Um tempo específico, um novo ambiente e o presente de poder focar. É como se fosse um grande “pomodoro” (entendedores entenderão).
Se no dia a dia, nem todos podemos nos dar ao luxo de “parar” por uma semana, podemos encontrar em pequenas práticas diárias este caminho que nos torna melhor enquanto indivíduos. Segundo publicação da Harvard Business Review:
“Ficar em silêncio nos permite canalizar nossas energias. Dá-nos a clareza de que precisamos para enfrentar com calma os desafios e as incertezas”. Em tempos atuais e diante da necessidade de solução de problemas complexos parece útil não é?
Minha dica é: busque esse silêncio antes de momentos importantes. Abertura de reuniões, apresentações, processos de reflexão e brainstorming que se tornam poderosíssimos quando realizados como nas “silent meetings” (momentos em que atuamos individualmente e coletivamente em silêncio). Pequenas pausas, pequenas contagens de inspiração e expiração. E mais, ajudem as pessoas, clientes, amigos, parceiros de trabalho a navegarem por esse universo. É um reaprender a ficar em silêncio, nos melhorando individualmente, para nos melhorarmos coletivamente. Espero que ajude! :o)
E você por ai, como tem respirado e ficado em silêncio?